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- O USO DO LENÇO GAÚCHO

"Sem lenço o gaúcho se acha algo perdido... E nas formas de posicioná-lo, atende a momentos de trabalho, de festa, de recreação etc., mas sempre integrando na sua personalidade de autenticidade representativa do homem rural do Rio Grande."
(CÔRTES, 1978, p. 182)

Para o uso social, o gaúcho sempre teve o lenço atado à frente, com as pontas caídas, mais ou menos de acordo com o nó/tope, sem obrigação de simetrias, outras formas de uso também se tornaram costume em algumas épocas conforme a ocasião.

Aquele uso com as pontas jogadas para trás se dá pelas funções de trabalho, da mesma forma que o uso do Lenço serenero (sobre a cabeça e atado abaixo do queixo) o qual não encontramos descrições de costume no Rio Grande do Sul, e que fora usado segundo o autor uruguaio Fernando Assunção, sendo um uso funcional para momentos de viagem e trabalho do gaúcho antigo. Não tem funcionalidade para o baile, e, portanto, ao nosso ver, seria uma projeção inadequada ao dançar nosso temas tradicionais no tablado.

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Gaucho com lenço sereneiro - Arte de F. Reilly
Gaucho com lenço sereneiro - Arte de F. Reilly

O outro modo de uso, também de herança camponesa com reminiscências árabes, protege a cabeça, bochechas e pescoço do sol durante o dia, e as orelhas do orvalho e do frio nas madrugadas e noites; também da chuva de inverno, vento e frio. Sempre do pó. Em ambos os casos, quando não se tratava de fazer longas marchas, que era quando se estava “no sereno”, ou realizar tarefas árduas a cavalo (boleadas, amarração, desjarretamentos) ou na guerra ou em duelos, ou em trabalhos e carreiradas (que era quando era colocado à marinheira ou como faixa de cabeça) o lenço era simplesmente largado ao redor do pescoço, cobrindo ombros e costas como um simples adorno, para o passeio, a pulpería ou ao baile de candeeiro, ou em trabalhos a pé, etc., para conter o suor do rosto e limpá-lo. (ASSUNÇÃO, 2016, p. 77-78. Grifo nosso)

Formas de Usar o Lenço

É Importante observar que o lenço na reconstituição do traje a ser projetado no tablado, é levado pelos mais caprichosos como último elemento a ser vestido e a forma escolhida soma-se ao todo do traje, cabendo decidir qual uso seria o mais adequado diante do que vestiu esse peão, seja pela sua funcionalidade, simbologia e até boa estética.

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- À maneira corsária

- À MANEIRA CORSÁRIA: segundo Paixão Côrtes (1978), era um uso bem comum nos séculos XVII, XVIII e parte do XIX. O termo corsário é alusivo aos homens assim designados pelas Cartas de Corso*, um deles por exemplo foi o famoso Giuseppe Garibaldi. Usavam assim como os “piratas”, o lenço atado à cabeça para se protegerem do sol, uma vez que o uso do chapéu nos ventos marítimos era incomodo, ao mesmo tempo que nem todo marinheiro possuía chapéu (muitos eram praticamente escravizados), em terra, continuavam usando o mesmo lenço na cabeça e atado para trás, e quando tinham
chapéu usavam-no por cima. Lembremo-nos, no entanto, de que estamos falando aqui do uso social e festivo da indumentária gaúcha, onde, segundo Paixão Côrtes (1978) este modo também teria sido usado em atos festivos nos tempos dos chiripás.

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garibaldi

*Um corso, ou corsário (do italiano corsaro, comandante de navio autorizado a atacar navios) era alguém que, por missão ou carta de corso (ou “de marca”) de um governo, era autorizado a pilhar navios de outra nação (guerra de corso), aproveitando o fato de as transações comerciais basearem-se, na época, na transferência material das riquezas. Os corsos eram usados como um meio fácil e barato para enfraquecer o inimigo, por perturbar as suas rotas marítimas. Com os corsos, os países podiam enfraquecer os seus inimigos sem ter de arcar com os custos relacionados com a manutenção e construção naval.

- À meia espalda

É a forma de dispor o lenço por baixo do braço esquerdo, por cima do ombro direito, tal qual o pala.

Aqui, o lenço pode ser dobrado, como se leva fechado ao pescoço, semiaberto ou aberto. A função de se deixar o nó para o lado esquerdo é pela liberdade do braço direito que se usa mais, (mesmo existindo os canhotos, alguns tentavam esconder sua condição), portanto maiormente usando-se o nó para o lado esquerdo (abaixo do braço). Usa-se nesta forma, atados simples mas que não se desatem facilmente.

O cuidado ao escolher o nó nesse uso vale para ao dançar (no nosso caso) o lenço não desatar e cair causando constrangimento e possíveis pelegos. É bom que se lembre que neste uso não vemos empregabilidade justificável de topes mais elaborados (decorativos). Ainda, lembremos o que Paixão Côrtes nos deixa como importante costume funcional e regional:

O uso do lenço à meia-espalda, acima descrito, é mais habitual no homem a cavalo, entre a gauchada da Fronteira e que caracteristicamente usa a faca na cintura, às costas. (CÔRTES, 1978, p. 194).

- Ao redor do pescoço

Segundo Paixão Côrtes (1978) pode ser usado à moda antiga (semiaberto) e à moda atual (fechado).

À MODA ANTIGA: quando o lenço é dobrado uma vez, formando um triângulo, com o nó na altura da maçã do peito, ou ainda semiaberto e um pouco enrolado no comprimento maior não chegando demais à caída aos ombros. O nó se dispõe de forma que o lenço seja facilmente sacado fora pela mão de algum maleva que almejasse pegar seu adversário em alguma briga (por vezes com faca).

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Lenço à moda antiga, funcionalmente disposto para de desvencilhar do corpo caso se precise. O gaúcho pachola, usa o lenço aberto também para “se mostrar”, como enfeite, e não somente a título de defesa de possível peleia.

À MODA ATUAL: enrolado diversas vezes a ponto de tomar forma linear (com dois a três dedos de largura), vamos ver em gaúchos mais atuais vestindo-o por dentro ou fora da gola da camisa com o nó mais próximo ao pescoço, modalidade diferente da mais antiga. Segundo Paixão Côrtes (1978) depois da popularização do revólver, o nó do lenço longe dos pescoço perde sua funcionalidade.

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Lenço disposta à moda atual, utilizado por cima da gola da camisa, com nó conhecido como "Nó Paixão Cortes" criado pelo tradicionalista em meados de 1947.

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Mosquinhas

Quando as pontas que caem às costas se desencontram discretamente, teremos um uso chamado folcloricamente de: “lenço com mosquinhas”.

E afinal, é por DENTRO ou por FORA da gola?

Essa discussão gira a décadas entre os tradicionalistas. Mas é bem simples de se explicar:

Observando centenas de fotografias antigas da gauchada (já de bombacha), percebemos que impera o costume de lenços por cima da gola (da camisa social de colarinho).

Já com a camisa primitiva – com gola ou sem gola, usada na época dos chiripas - o lenço era “jogado” por cima, a moda antiga - folgado e aberto com o nó longe do pescoço.

Com a popularização do revólver, que “fala de longe”, o lenço deixa de ser um artefato com a função de se sacar rapidamente em possível “peleia” de “ferro branco” (faca) e passa a ser usado por influência europeia com o nó mais junto ao pescoço – esse costume observamos maiormente no uso com a bombacha e gola social atual.

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A discussão se o lenço se usa dentro ou fora da gola é uma “teima” entre tradicionalistas, absolutamente inglória. Não é raro quando algum gaúcho veste o lenço por cima da gola e se escutar de algum tradicionalista que o lenço “é por dentro da gola junto ao pescoço”. Bueno, se usa das duas formas!

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A explicação para isso se revela através das fotografias do final do século 19 e até meados do século 20. As fotografias dessa época se davam apenas em momentos específicos, o acesso à um fotógrafo era raro e caro. Salvo raridades, não encontramos fotos espontâneas da gauchada por exemplo no seu trabalho de campo, fazendo cerca, tirando leite, pealando, laçando, cortando lenha e assim por diante... O que temos são fotografias estáticas, posadas, com ambiente por mais tosco que fosse, preparado para o momento especial de “bater uma chapa”, e nesses momentos cada um estava com o melhor que tinha de traje, buscando uma boa postura – e o lenço por cima da gola sempre.

Já no trabalho diário de um peão de estância dessas épocas anteriores à criação do Movimento Tradicionalista Gaúcho não temos praticamente nenhum registro fotográfico ou documental para defender o uso do lenço por dentro da gola ou até jogado para trás. Mas quem lida no campo sabe dessas funcionalidades que são muitas vezes indispensáveis para cada tipo de trabalho. Lembremos que o lenço nem sempre era usado, e quando usado, o modo de vesti-lo se encaixa à função do momento. Quem vai ordenhar com o lenço caindo as pontas para frente? Atrapalha!
Já pensou um alambrador com o lenço “batendo no umbigo” usando suas ferramentais para tramar uma cerca? Não vai dar certo!

Concluindo:

Para uso no trabalho campeiro, o lenço junto ao pescoço tem função de reter o suor, proteger o interior da gola da camisa da sujeira e poeira, ser usado para limpar o próprio rosto. Para uso social impera o costume do uso por cima da gola.

OBS: O uso do lenço em representações artísticas depende do contexto do que está sendo projetado. Pode estar representando um baile com todo preparo social de cada época ou pode se estar representando um peão tocando uma moda de viola no galpão de pés descalços e com lenço junto ao pescoço ou até sem o mesmo.

A tempo: o lenço usado por dentro da dobra da gola da camisa – como usamos grava – nunca foi costume do gaúcho.

Textos: Giovani Primieri | Fotos: Lidiane Hein | Diagramação: Lucas Negri
Fonte: PRIMIERI, Giovani. Indumentária Gaúcha - dos Bailes Antigos aos Tablados. Porto Alegre: Martins Livreiro-Editora, 2022.

Tem alguma dúvida a respeito do lenço na indumentária gaúcha? Deixe abaixo nos comentários que iremos responder.

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