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O LENÇO

Podemos dizer que o lenço usado pelos gaúchos desde a formação da sociedade sul-rio-grandense é o mesmo lenço do uso da moda universal (um antecessor da gravata). Elemento do costume de diversas culturas no mundo todo e que permaneceu sendo usado por muito tempo, mesmo depois da fixação da gravata na moda masculina.

Em diversas leituras, com destaque a artigos da internet, encontramos uma pretensiosa relação da vincha (usada pelos índios para prender as melenas) como antecessora do lenço gaúcho, chegando a afirmações de que “a vincha desceu da cabeça para o pescoço”, defendendo, portanto, que o lenço seria uma evolução dessa peça. Não conseguimos encontrar fundamentação consistente nessas informações, que nos pareceram muito difundidas.

Portanto, trabalharemos aqui com o lenço sem qualquer relação com a vincha, compreendendo-as como duas peças visivelmente distintas, uma de uso indígena adotado por alguns gaúchos e outra introduzida diretamente nas plagas sulinas pelo costume europeu.

Joven gaucho con vincha   - José Luis Zorrilla de San Martin (1966)
Joven gaucho con vincha - José Luis Zorrilla de San Martin (1966)

Discorreremos aqui sobre as características e algumas peculiaridades do lenço gaúcho, suas funcionalidades, usabilidade, tradicionalidade e demais características que fizeram desta peça uma das mais simbólicas pilchas gauchescas.

O que diferencia basicamente o lenço gaúcho, dos demais usos em outros tipos brasileiros, são as formas características de usá-lo, as funcionalidades ocasionais do seu uso, com destaque aos nós e topes folclorizados pela gauchada.

Funcionalidades

Quando na cabeça protege contra a poeira, o calor ou sereno, quando no pescoço retém o suor, protege a gola da camisa da sujeira e do desgaste, e não menos importante, figurando como um belo adorno. Quanto as peculiaridades do uso, suas funcionalidades passeiam por alguns momentos vividos pelos gaúchos, como por exemplo: na distinção política (Revolução Federalista), no uso folgado da peça para fins de proteção desvencilhando-se do adversário em possível peleia, e ainda, na linguagem social e simbologias através de determinados nós e topes;

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Dimensões da peça: quadrado; de tamanhos variados de acordo com o portador, lembrando que alguns tipos de nós carecem de mais pano.

As medidas de um lenço gaúcho variam, indo geralmente de 80cm² à 100cm² com pequena margem para mais e para menos; ainda merecem franjados desfiados da própria peça ou bainha muito estreita e discreta;

Tecidos: variados, em chita de algodão, fazenda fina da época, seda palha (muito apreciada entre os gaúchos), encontramos lenços originais do séc. XIX em cambraia de linho de alta qualidade. Para a projeção atualmente usam-se tecidos de gravataria, seda fosca ou acetinada, cetim (excluso brilhosos e metálicos), cambraia de algodão, acetato, failete e similares.

Nós e posições

Os tradicionais nós ou topes gaúchos são variados: de correr boi, de trança chata, de namorado, de tope, de charrua, maragato, republicano, e muitos outros a gosto de quem usa (não necessariamente sendo tradicionais);

Quanto a forma de usar, não se aplica apenas ao pescoço. Há outras formas como de usar: à corsário, à meia-espalda, à bandeira, fechado, “mosquinha”;

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Fonte: Museu Júlio de Castilhos. Porto Alegre - RS

Bainha aberta

A bainha-aberta é um tipo de bordado feito à mão, que tem como característica desfiar e agrupar os fios do próprio tecido, possibilitando acabamentos ou entremeios. Era muito comum na costura antiga, um acabamento caprichoso.

Acima lenço branco, de seda palha que pertenceu ao General Flores da Cunha, que era “chimango”. Em uma das pontas, vê-se bordado em fio de seda as iniciais JAFC –José Antônio Flores da Cunha. O lenço mede 103,5cm x 106,5xm, o acabamento do lenço mede de 2.5cm e foi feito à mão, usando a técnica da bainha-aberta.
Foto do Museu Julio de Castilhos.

Cores e Padrões

Sem uma cor definida primitivamente. Apenas ocorreram definições de cores por distinções políticas em determinados momentos da história sul-rio-grandense ou pelo costume do luto.

Na obra Falando em Tradição e Folclore Gaúcho – Excertos Jornalísticos, Paixão Côrtes discorre sobre as cores vermelha e branca dos lenços como um fato que caracteriza o culto da tradição no Rio Grande do Sul:

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Por exemplo, o lenço encarnado e o lenço branco. Na realidade essas duas cores somente em 1893 para cá é que se projetaram especificamente na forma de tradição político-partidária, como dogmas e linhas perfeitamente definidas para cada um. Anteriormente a este período, não havia cores definidas nos lenços dos gaúchos. (CÔRTES, 1981, p. 14)

Os lenços eram geralmente lisos, mas alguns apresentam motivos geométricos adamascados (tramados diversos que brincam com o lustro e fosco), xadrez, listrado, carijós, pele de cobra, petit-pois, diversos tipos de barrados e etc., e ainda, raros e preciosos estampados, afora os comemorativos. É impossível precisar a quantidade de padrões criados no lenço, certamente chegam a mais de uma centena.

Embora fosse mais comum o uso de lenços lisos, observamos fotografias do final do século XIX e início do XX - todas do Rio Grande do Sul - com padrões listrados e axadrezados. Isso, bem antes das fábricas de lenços gaúchas existirem.

É importante prestar atenção quando se quer projetar um padrão de trama antiga (xadrez, poá, listrado e etc.) para não criar uma peça que beira a fantasia, pois esses padrões eram definidos através de tramados e não de estampas, o que muda consideravelmente a característica do tecido, então, quando a semelhança de um tecido atual com um padrão mais antigo não for convincente, não “force a barra”, não fantasie a peça pela ausência de material mais adequado e opte pelo simples que ficará mais adequado e representativo. Falamos isso porque vemos verdadeiros “panos de forro” ordinários, sem a mínima qualidade daquelas visíveis nos tecidos e padronagens dos lenços antigos. A diferença é gritante e a projeção fica prejudicada.

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Textos: Giovani Primieri | Fotos: Lidiane Hein | Diagramação: Lucas Negri
Fonte: PRIMIERI, Giovani. Indumentária Gaúcha - dos Bailes Antigos aos Tablados. Porto Alegre: Martins Livreiro-Editora, 2022.

Tem alguma dúvida a respeito do lenço na indumentária gaúcha? Deixe abaixo nos comentários que iremos responder.

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Jocemar Mello

Maravilhosa e muito interessante essa belíssima explicação. Aprendi mais um pouco e confirmou algumas coisas que eu sabia. Muitíssimo obrigado e parabéns pelo magnífico trabalho

GIOVANI PRIMIERI

Agradecemos sua visita Jocemar. EM breve postaremos mais conteúdos. Grande abraço!

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