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Afinal, quem é o gaúcho?

Segundo a professora Edinéia Pereira da Silva, Doutora em História e pesquisadora da Indumentária Gaúcha, a primeira descrição do Gaúcho como tipo humano pampeano, deve-se ao viajante português José de Saldanha em seu diário de viagem de 1787.

“Gauches, palavra Hespanhola usada neste paiz para expressar aos Vagabundos ou ladroens do Campo, quais Vaqueiros, costumados a matar os Touros chimarroens a sacar-lhe os Couros [...]”

(SALDANHA, José de. Diário resumido. Anais da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, v. 51, 1938, p. 181.)

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Jean Baptiste Debret, Gaúchos condutores de Tropas – Charruas Civilizados. 1834. Aquarela sobre papel.

A mesma historiadora ainda defende que a imagem do gaúcho descrita por Saldanha não é a mesma da atualidade, sendo o gentílico gaúcho uma “recriação” desse tipo humano, que hoje, é símbolo da sociedade sul-rio-grandense.

Considerado a primeira prova documental em que aparece a palavra “Gauches”, os registros de 1787, do viajante português José de Saldanha, trazem um conceito que muito se difere daquele observado nos dias atuais. O gaúcho, presente em diversas obras como gentílico, honesto, herói de guerras, sujeito de inúmeros predicados, já foi detentor de características negativas. (...) os fatores responsáveis pelas transformações ocorridas do conceito inicial atribuído ao gaúcho aos dias atuais incidiram em dois momentos. O primeiro, durante o século XIX, quando a literatura permeia a história e recria o personagem de forma lúdica, possivelmente como resultado da necessidade emergente de definir a identidade em uma terra recém-colonizada por meio de disputas de fronteiras. E o segundo (e mais intrigante) momento, na segunda metade do século XX, quando surge um movimento cultural, institucionalmente organizado, com o objetivo de (re)criar e preservar a figura do gaúcho tal qual foi idealizada no século anterior. Duas iniciativas que alcançaram proporções inimagináveis, fazendo com que essa figura se tornasse conhecida e abordada em diferentes lugares do mundo numa época em que a mídia eletrônica era pouco explorada. (PEREIRA, Edinéia, 2018, p. 13-14)

E explica como se deu esse “processo de simbolismo da figura do gaúcho”, dando destaque à sua imagem singular através da indumentária que o veste e o identifica.

O primeiro processo, resultado do trabalho da literatura, deixa explícito que são estórias, ainda que elaboradas com elementos da história. Porém, o segundo, criado pelo movimento cultural gaúcho, trata-se de um conjunto intenso de práticas representativas, repletas de imagens selecionadas e organizadas pelo grupo, com base também em elementos da história, porém com o objetivo de instituí-las como verdades históricas. Tais práticas com referências imagéticas, constituídas pelo movimento a partir do ano de 1947, foram apreendidas e são defendidas como verdades por aqueles que as seguem. Provendo essa rede de práticas com elementos de representação estão a música, a poesia, a literatura, a dança e atividades de recreação que lembram a vida no campo do antigo gaúcho. Entre as diversas práticas se sobressai a indumentária, que está entre os principais elementos selecionados para representar o gaúcho na atualidade. Ela é destaque nos relatos e nas aquarelas dos viajantes dos séculos XVIIII e XIX, reaparece com ênfase na literatura nos séculos XIX e XX e é elemento obrigatório na construção e disseminação do gaúcho ideal da segunda metade do século XX, quando inicia o movimento gaúcho institucionalizado. (PEREIRA, Edinéia, 2018, p. 14).