A análise do “folclore da indumentária”, defendida pelo folclorista Dante de Laytano há quase quarenta anos atrás, vem ao encontro do que apresentamos a seguir: a criação e profusão de nós e topes engenhosos aplicados no lenço gaúcho, e que, após passarem pelo processo de aceitação coletiva, mesmo sem se saber quem os tenha criado ou batizado, ganharam lugar na indumentária gaúcha através da tradição.
Em termos gerais, sabemos que o uso do lenço ao pescoço é muito antigo, não sendo exclusividade do gaúcho. No entanto, esse deu significados característicos ao lenço quando atou-o a sua maneira, seja por topes funcionais que se desatam com facilidade, seja com nós identitários, como aqueles que chegaram a apontar ideais partidários e revolucionários. Outros, de motivos simbológicos pela linguagem social e até religiosa, ou ainda, simplesmente por mero gosto pessoal sem um maior significado social.
A criação folclórica é um mistério permanente (...) É a inspiração. O artista do povo tira dos elementos que o circundam, do céu que o cobre, das matas que o cercam, dos mares e dos rios, dos bichos, das coisas e da interação com os componentes do seu grupo social, o impulso da sua fantasia. (ALMEIDA, 1974, p.109)
Há uma série de grandes confusões no meio tradicionalista sobre os nomes, origens e significados de vários nós e topes. Sabemos por exemplo que os maragatos eram identificados pela cor do lenço e não por um nó específico. Há várias fotografias mostrando maragatos e chimangos com topes diversos e até iguais, como essa ao lado do ano de 1923.
Assim, não encontramos um nó específico para cada um, sendo que o distintivo era visto na cor e não no tipo de nó. Outrossim, vemos complexo até defender as próprias cores (rubra e alva) como distintivas, pois inúmeras fotos não nos mostram isso. Seria certamente um assunto para muitos mates e novos olhares sobre a realidade versus mito.
Dentre tantas confusões, causadas, ora pela irresponsabilidade dos “achismos”, ora pelo natural caminho do folclore que imita um “telefone sem fio”, alguns nomes se perdem e se confundem no saber do povo.
Outrossim, mais importante do que esses aspectos é saber que os nós e topes em lenços tornaram-se algo realmente típico do trajar gauchesco, diferenciando-o dos usos universais, dando razão novamente à frase de Carlos Vega: “São universais os elementos, regionais as combinações”.
Sabemos que existe uma diversidade maior de nós pesquisados, afora outros tantos de criação tradicionalista, porém decidimos elencar aqueles do nosso conhecimento, procurando evitar assim, desencontros de informações da arte de fazer topes em lenços, tão apreciada pelos gaúchos.
É muito natural que o conhecimento popular traga inúmeras outras “explicações” ou “significados” aqui ou acolá. Outrossim, a forma como cada um é feito também pode variar de acordo com a técnica pessoal, porém, atentemos que, mediante a técnica adotada o nó poderá tomar outra forma, semelhante, porém, não idêntica ao pretendido. Talvez assim tenham nascido tantas “variantes”.
Apresentamos aqui os nós ou topes gauchescos em inédita classificação: nós tradicionais, nós identitários, nó tradicionalista e variantes. Essa classificação não pretende originar ordens de uso, tampouco regulamentar os nós e topes. Criamos essa classificação com o intuito de facilitar o estudo sobre o lenço e suas peculiaridades gauchescas. Certamente caberão revisões futuras mais apropriadas e elucidativas sobre nossa pretensa didática.
Nós Tradicionais
Classificamos assim, aqueles nós e topes folclóricos, dos quais não conhecemos a origem e que chegaram até os dias de atuais através da tradição. Destinaram-se tanto ao uso ordinário no dia a dia, quanto ao uso social e festivo quando elaborados com certo preciosismo. No entanto, atentemos, que nem todo nó tem um significado simbológico específico, criaram-se muitos mitos sobre os usos de determinados nós entre os tradicionalistas. Importante é que não os deixemos de fora do uso festivo nas nossas vestimentas ao interpretarmos os bailares dos nossos avoengos gaúchos.
São eles: o nó simples, nó de correr boi, nó de trança chata, nó de namorado, tope, e nó rapadura, cada um com seus respectivos nomes populares ou apelidos. Deixamos de fora o nó de gravata tradicional, no entanto, lembremos que ele também foi usado no nosso lenço.
Outrossim, vale a seguinte pergunta: Por que vemos na iconografia gaúcha muito mais os nós simples do que esses tantos outros que destacamos aqui? A explicação é muito simples e Renato Almeida nos explica em A Inteligência do Folclore:
O folclore se transmite pela imitação, que continua a experiência de práticas empíricas. (...) mas nem se aprende tudo que se vê e se ouve, senão o que é fácil de aprender, dentro das condições pessoais de cada indivíduo, memória, aptidão, habilidade, interesse, etc., e dos valores sócio-culturais (sic.) da área onde se processa o fenômeno. E o costume faz o resto. Só depois de o povo se acostumar a um fato ele se torna folclórico. (ALMEIDA, 1974, p.201)
Sendo assim, não é demais lembrar que não devemos apontar como folclóricos os nós ou topes de uso pessoal, tampouco chamá-los de tradicionais. Sem a transmissão e preservação pela tradição, ou seja, sem a aceitação e uso coletivo por um determinado grupos de pessoas, esse elemento não passará de preciosismo pessoal. Quem sabe um dia se torne tradicional? Quem sabe...
Nó Simples
É aquele tido como nó de campeiro, nó de tropeiro, nó de correr (quando atado de forma funcional, onde um do lados do lenço deslize livremente para um lado e outro) ou ainda nó de chimango (quanto feito em lenço branco).
O mais simples dentre todos os nós característicos, onde, com o lenço fechado ou semiaberto, o gaúcho faz um nó simples e outro por dentro deste, e suas pontas caem para ambos os lados de forma parelha, embora a simetria das pontas seja mero capricho.
Sua utilização é encontrada longe e perto do pescoço de acordo com os usos sociais de cada época e gosto pessoal. É fácil de fazer e desfazer. Aplicado em qualquer cor ou padrão de lenço.
Nó de Ginete
Na prática, é o mesmo nó simples, com uma característica que lhe é peculiar: atado de forma que um do lados lembre um “meio tope”. Além disso, também é um “nó
de correr”, o lenço “corre” e desfaz-se facilmente.
Paixão Côrtes (1978), nos dá uma descrição de um “nó de correr boi” que vai ao encontro desta mesma modalidade, destacando que esse atado se dispõe de forma que as duas pontas saem para o mesmo lado. Esse nó se faz mais justo ao pescoço, sem maior preocupação com a simetria das suas pontas.
Alguns chamam de nó de ginete, ou ainda nó pachola. Não passa de mito a pretensa afirmação de que: “pro lado direito é destro, pro lado esquerdo é canhoto!”. Aplica-se em qualquer cor ou padrão de lenço.
Tope Tradicional
Refere-se esse título ao tope simples, tal qual o tope feito nas antigas gravatas. Basicamente um laço com miolo no meio, sem maior significado a não ser o estético. É um tope feito comumente com o lenço fechado e é aplicado em qualquer cor ou padrão de lenço.
Segundo Paixão Côrtes (1978), era um tope feito “junto ao pescoço”. Imagens que analisamos datadas de 1910 e 1930 confirmam essa característica.
Nó de Quatro Cantos
Paixão Côrtes (1978) o descreve como nó maragato e nos conta que o referido nó, teve popularidade a partir de pouco tempo antes da Revolução Federalista (1893-1895), conflito político genuinamente gaúcho, colocando em lados opostos os Maragatos e Pica-paus. Os maragatos usavam um lenço encarnado oriundo do Partido Colorado uruguaio e era a cor, justamente o que os identificava. Porém de forma não tão simbólica quanto a cor, havia um nó característico que seria chamado de nó maragato.
Segundo Paixão Côrtes (1978), esse nó é feito de quatro gomos que se entrelaçam formando um quadrado, tendo o ápice de um dos seus ângulos dirigido para baixo, com as duas pontas saindo pelas laterais do nó. Esse nó é fixo, portanto, não corre. Também chamado de nó quadrado ou ainda mais popularmente como rapadura o que sugere, segundo informações populares, que seu formato lembra as antigas embalagens de rapadura feitas com palha de milho verde.
Para identificar este nó como símbolo maragato é imprescindível que o mesmo seja feito em lenço encarnado. Afora isso, porém, se usados de modo genérico tradicionalista, não há qualquer restrição do seu uso em outras cores, já que continua sendo utilizado até os dias atuais sem conotação de militância.
Tope Republicano
Conhecido também por Nó Farroupilha. Tem feitio engenhoso, lembrando um crucifixo, sendo feito em lenço encarnado (representativo da república), cujo dono o conservava atado por muito tempo, talvez pela dificuldade de fazê-lo, nota-se então, que se o gaúcho o deixava pronto para uso posterior, a altura do nó não tem justa função apertado ao pescoço, caso contrário precisar-se-ia desfazê-lo para desvestir o lenço. Exige mais pano que um nó simples, então, não se aplica em lenço pequeno.
Outra característica é de que esse tope era feito com o lenço aberto, - dobrado em triângulo -, deixando duas das pontas deitadas às costas o que sugere que a cor rubra pudesse ser vista pendente às costas. Diziam que por ser difícil de fazer e desfazer o tope, já que cada puxada torna-o mais apertado e forte, talvez identificasse o peso do ideal republicano rio-grandense.
Nota: As descrições mais antigas que encontramos sobre o nó ou tope republicano/farroupilha são da autoria de José Gabriel Teixeira, publicadas no Anuário do Estado do Rio Grande do Sul, dirigido por Graciano Azambuja. Na edição de 1892, Teixeira fala sobre o referido nó, mas não explica como ele é feito. Em 1895 o mesmo explica como fazer o nó de forma genuína, porém bastante complexa. Já em 1903 Graciano Azambuja aborda outra didática para o enlace desse tope.
Essa classificação refere àqueles, dos quais, conhecemos a origem, e sua criação tenha vínculo explícito com o início do Movimento Tradicionalista Gaúcho e conserva-se no uso popular da comunidade tradicionalista atual. Reconhecemos, por ora, apenas como nó tradicionalista o nó de charrua, criado por Paixão Côrtes.
Nó charrua
Chamado popularmente por alguns tradicionalistas como nó de “três galhos”, “ponta de lança”, “bago de touro”, nomes que o folclorista criador, Paixão Côrtes, considerava um pecado. É um nó legitimamente tradicionalista, usado da metade em diante do séc. XX. Desata-se facilmente se puxado por uma das pontas. Segundo Paixão Côrtes, recebeu este nome dos tradicionalistas da época da gênese do Movimento Tradicionalista Gaúcho. Hoje, alguns tradicionalistas o chamam de nó Paixão Côrtes, lembrando que o mesmo sempre o fez em lenço vermelho, o que não impede pela sua perpetuação tradicionalista, ser feito em outras cores.
Paixão Côrtes nos deixa interessante testemunho a criação e profusão deste nó:
O nó Paixão Côrtes foi por mim criado em festa de carreira domingueira nos idos de 1947, quando arrumei as prendas do meu arreio e atei a “cola” do pingo. Não pode ser confundido com os nós de “dois galhos”, de “três galhos”, “de corre boi”, de “Maruca prende grampo”. Somente quem não é campeiro que pode dizer uma “barbaridade” dessas. Com o surgimento do Movimento Tradicionalista em 1947 no Colégio Júlio de Castilho e posteriormente em 24 de abril de 1948, com a criação do 35 CTG, os tradicionalistas passaram a chamar o “Nó Paixão Côrtes” de “Nó Charrua”, apelido do seu criador. O nó foi popularizado mundo afora junto com o culto do tradicionalismo. É usado na “maçã do peito” e não enforca, mas desata quando puxado pela ponta esquerda. (CÔRTES, 2016, p. 6)
Nó Cabeça de Águia-Coroada
Nos parece uma variante do nó de charrua. Desconhecemos sua origem no tempo. O formato desse nó faz alusão a Águia Coroada (Urubitinga coronata), uma espécie de ave de rapina que ocorre em regiões campestres do Centro-Oeste, Sul e Sudeste do Brasil. É monogâmica e territorialista. Segundo o Instrutor Sandro Arruda, em repasse de informações deixadas por Paixão Côrtes em estudos orais, este nome procede do uso da aliança neste nó, “coroando” o engenhoso atado, em homenagem à esposa do gaúcho que o veste. Porém, a ausência da aliança não impede o feitio desse nó.
Nó Tope em Pé
Paixão Côrtes (1978) o cita como variante do tope. Desconhecemos sua origem no tempo, no entanto podemos vê-lo retratado em fotos do fim do século XIX. Há basicamente três formas de fazê-lo:
1 - com as pontas caindo uma sobre a outra, formando uma linha (essa é a única forma que encontramos em fotos antigas);
2- com as pontas saindo lateralmente de dentro da dobra inferior do tope;
3 – com as pontas saindo pelas laterais acima de onde se ata o nó, como em dois galhos (lembrando o nó de charrua).
Textos: Giovani Primieri | Fotos: Lidiane Hein | Diagramação: Lucas Negri
Fonte: PRIMIERI, Giovani. Indumentária Gaúcha - dos Bailes Antigos aos Tablados. Porto Alegre: Martins Livreiro-Editora, 2022.